No eterno balanço do fabuloso e inverossímil mundo da Amazônia, tudo é imprevisível, menos o inverno e o verão. O advento da estação hibernal, com o seu dilúvio de águas transbordantes e um grande numeros de problemas a serem resolvidos, é o estígma dos habitantes da vasta região; ao passo que o estio, é menos chuvoso e pleno de fartura. Nos tempos dos vasqueiros do inverno, quando o pau d'arco se veste com as roupas verdes da esperança, o peixe some e a fome aparece, nos ínvios redutos da invulgar paisagem. Todos sofrem os reveses do destino, mas a natureza mãe refreia os seus clamores, porque durante o verão, quando o pau d'arco se veste de dourado e as águas voltam ao normal, sobrevém a temporada das colheitas abundantes, cujos frutos devem ser aproveitados para os dias difíceis do inverno contundente. Isso, contudo, não vem acontecendo, porque o caboclo, quando tem, consome tudo de uma vez, sem pensar no dia de amanhã. Para ele, o futuro a Deus consente. Todos esses fatos, no entanto, não são desconhecidos da DEUSA DA FLORESTA, que procurou amenizá-los de acordo com a proverbial intuição feminina, dando origens às sementes desta lenda. Em decorrência desta versão, veio ao mundo RAIO DE SOL, com a tez clara como a neve, os cabelos louros como as flores do pau d'arco e as nuances douradas do amanhecer. Os aborígenes se assustaram, visto terem todos pele trigueira e cabelos negros, A nenezinha foi, por isso, rejeitada pela tribo e entregue à sabedoria do velho Tuxaua, no sentido de ser sacrificada, juntamente com sua genitora. Enquanto isso, RAIO DE SOL, enleada nas roupagens da inocência, continuava sorrindo para o seu povo, alheia às misérias do meio em derredor. Sua vinda ao mundo foi predestinada pela DEUSA DAS SELVAS com o fim de sucumbir, para livrar a sua gente do malsinado pesadelo da fome hibernal. A sua morte, portanto, já estava traçada, mesmo antes de ter vindo ao mundo. Desse modo, a sua vida seria efêmera, para eternizar os meios de sobrevivência do seu povo. Em face disso, a FADA SUBLIME DA TERNURA procurou o Grande Pagé, para comunicar-lhe o imediato passamento de RAIO DE SOL, com estas palavras: tua pirralha veio ao mundo para cumprir uma abnegada missão; o seu curto fadário está chegando ao fim, sem o doloroso infanticídio premeditado pelos seus ancestrais; sua alma já está subindo ao céu, de onde continuará a abençoar a sua gente, o sangue do seu sangue; ninguém deve portanto pranteá-la; seu corpinho será sepultado no mais aprazível lugar deste chão bendito, para continuar vivendo e dar prosseguimento à sua predestinada vida; na voz do silêncio levanta-se uma prece e da sepultura uma palmeira a que chamarás PUPUNHA; ela crescerá com a devida rapidez para produzir seus frutos, com as cores douradas do entardecer; esses frutos, depois de cozidos vão servir de alimento para o teu povo, nos indesejáveis dias de penúria dos invernos vasqueiros, que sobreviverão aos dias fartos do estio.
Benjamin Loureiro da Costa
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