quarta-feira, 13 de abril de 2011

Poeta das coisas perecíveis


O que faz de um ser humano um grande artista? Onde reside a barreira que separa um artista de um mestre? Perguntas como essas sempre povoam nossas imaginações - quase sempre sem uma resposta que as satisfaçam. Humildemente, tenho debruçado sobre estes questionamentos e arrisco a tentar alguns rumos - a maioria emotivamente.

Sobre a primeira pergunta, creio que o humano sobressai de sua finitude quando consegue, de alguma forma, entender o tempo e o local em que vive. Assim foi com Pablo Picasso e seu desespero com a guerra, Dali e sua querida Catalúnia, Monnet e sua busca pelo entendimento da luz. Isso para citar apenas alguns dos que, a seu modo e o seu jeito, conseguiram uma transcendência rumo à eternidade na vasta memória humana.

Mas, e na atualidade, quais as esperanças e desesperos que alimentam a criatividade de nossos artistas? A resposta para este questionamento talvez sirva para a segunda pergunta no início deste texto. Não é muito diferente do parágrafo anterior. E tem razão os defensores da globalização quando dizem que quanto mais local for uma ação mais valor tem para o global. As inquietudes mudaram de nome e forma, mas não o suficiente para dissipar o imaginário de nossos criadores. Tem Carybé na Bahia, com seus ritos e cultos, Mestre Vitalino e seus homens da terra seca do Nordeste, e tantos que se imortalizam por aí.

Neste desespero de entender o mundo, os humanos se estrangulam de várias formas. E, ultimamente, tenho testemunhado uma maneira muito peculiar do artista plástico Sérgio Odilon, uma promessa de pouco mais de 40 anos de idade. No silêncio que o ato criativo necessita, Odilon, constrói belezas inimagináveis utilizando as sutilezas inexplicáveis das cores numa mistura com inconseqüência do lixo. Isso mesmo, o lixo.

A guerra, o descaso, a denúncia, o grito de socorro deste jovem vem de sua realidade e do seu cotidiano paramentado de restos e perigos que - sinceramente - fingimos não enxergar. Mas, Sérgio vê. Vê e faz questão de apontar. Faz birra e transforma em santo, rosto humano, pétalas, lembranças, saudades, angústias, denúncias e expõe sob holofotes e salão construídos para abrigar fantasias e fábulas que parecem de outro mundo.

Emociona o quadro de Mahatma Gandhi urdido por uma camiseta velha encontrada por Odilon numa dessas lixeiras da vida. Um Mestre feito de restos! Seus anjos são uma mistura do que não presta mais para os humanos - seus diabos também. Tudo toma forma com naturalidade e vibração dignas de uma saída de Xangô.

Quando Walter Benjamim escreveu seu celebrado artigo “A obra de arte na época da reprodutibilidade técnica” alertava a todos para as novas expressões que não eram originais, mas que possuíam uma outra maneira de ser, com capacidade de conferir-lhe valor diferenciado. O mestre só não foi capaz de supor as formas que a reprodução - em séries infinitas - de lixo ganhariam neste transcendente das coisas perecíveis, que é Sérgio Odilon. Esta é sua forma de poetizar.

*Israel Oliveira

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